domingo, 1 de janeiro de 2012

FECHADO PARA BALANÇO

FECHADO PARA BALANÇO

            Tenho uma birra especial por toda novidade que vira mania. É o caso dos livros de auto-ajuda. Editoras e autores ganham milhões com conselhos otimistas que nada valem. São mais placebos que remédios. Sejamos complacentes, todavia: cada leitor tem a literatura que merece. Comprovando minha concessão, o artigo de hoje é um recado, não para aconselhar, mas alertar.
            É tempo de meditação. Qualquer tempo é tempo de fazer um arranjo nos armários da alma e por que não? Também no sótão.
            Há um poema de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta tenta concretizar uma sensação experimentada, terrível,  de lucidez crua e realista. Como em um flash, o poeta se flagra em um estado especial, trágico. Nesse momento, todos os valores caem por terra: Deus, o amor, emoções, sexo, sofrimento, amizade. Até a velhice, tão temida, a morte, nada importa: a vida é uma ordem, “A vida apenas, sem mistificação”. (“Os Ombros Suportam o Mundo”, in “Sentimento do Mundo”).
            É tempo de balanço. Não analisar uma sensação apenas, ou um momento: é uma parada com finalidade deliberada. Fechar as portas do Estabelecimento da Vida, fazer um “intemezzo”, meditar, pensar, auto-examinar desde a superfície, até as grutas mais profundas, as regiões abissais.
            Hipóteses de questionamentos, à guisa de ajuda para tentar a via-crucis do autoconhecimento, a mais terrível das viagens.
1.    O que se tem feito da vida?
2.    A práxis está de acordo com o planejamento prévio?
3.    Foram feitas muitas concessões?
4.    Qual a porcentagem de realizações dos sonhos?
5.    Há um parâmetro, um critério eficiente para hierarquizar as prioridades?
6.    A noção de valor é ainda válida, eficiente, criteriosa?
7.    Quem reina comumente, quando vêm as tempestades? A razão ou a emoção?
8.    A sensibilidade tem tido sua hora e vez?
9.    Tem-se amado o próximo (que é importante) e a nós mesmos (que é imprescindível)?
10. Há metas a atingir que darão oportunidade à alma de ascensão, de ascese?
11. No mapa, caminho, trilhas seguidas, têm aparecido minas que explodem, alçapões, armadilhas?
12. Tem sido aceito o pacto que  a vida deve ter feita mais de dor?
13. Tem-se conseguido entender a insólita porcentagem (tão pequena) de felicidade, sobre a (imensa) de aborrecimentos?
14. A alma, diariamente, mais sorri do que chora?
15. O corpo segue ágil,  os leves  voos do espírito?
16. A mente continua aberta, com largos horizontes, em compasso com o ritmo da vida?
17. O coração anda tranquilo, satisfeito com a performance do sujeito da história?
18. As más lembranças, as cicatrizes têm incomodado a alma?
19. Percebendo, lucidamente, causas e efeitos, há coragem (ainda e sempre) de assumir mudanças concretas?
            20. Tem valido a pena viver?
            Ora, se você nasceu para ser grande, lute, doe-se totalmente, agarre suas chances com unhas e dentes, como um bravo guerreiro. Se, ao contrário, tem a essência de erva rasteira, rasteje, entregue-se ao ócio, à preguiça, ao comodismo, com a filosofia do não vale a pena. A opção é sua. Você decide.

2 comentários:

  1. O grande número de obras de ajuda se deve ao baixo nível da cultura individual.
    Quando se está em dúvida do que fazer, recorre-se a esses livros. Em época normal de estudar, os jovens abrem mão de concluir os cursos em detrimento de casamento e trabalhO durante o dia. À noite torna-se cansativo estudar.
    Quando atingem a maioridade e para crescer no emprego, fazem o supletivo. Mas a qualidade do estudo é reduzida.
    Sem o hábito da leitura, seu potencial é minúsculo.
    Quando a obra vale a pena, pode-se até tomá-la como exemplo. Melhor assim do que nada para oferecer.
    Quem lê tem as respostas mais afiadas, mais construtivas, mais convincentes. Não se constrange diante das situações apresentadas e nem fica órfão do tesouro que é a cultura.

    Aparecida

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  2. Minha querida,
    Em sua lucidez diz verdades incontestáveis sobre nosso pobre ensino. É valiosa e sábia sua opinão, ao realçar o valor ds leitura. Sem ela, acaba-se por ser um analfabeto funcional. Este conceito, hoje, tornou-se mais amplo: é quem só entende a linguagem denotativa, não interpreta nem redige. É uma chaga difícil de ser sanada.
    Abraços.
    Ely

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