terça-feira, 5 de junho de 2012


EM PLENA MADRUGADA

            Nunca duvidei que temos um Anjo da Guarda. O meu é atento e amigo. Desde muito jovem, tive provas de que ele me dava avisos, até me tirava de possíveis enroscadas que, sem sua ajuda, aconteceriam fatidicamente.
            Depois, na idade madura, percebi algo insólito. Ele não só me avisava silenciosamente, mensagens vinham como intuições, mas, certa vez, falou-me a viva voz: “Vá resolver isto agora, antes que seja tarde!”. Fui e de fato era o Dia D, para evitar um grande problema.
            De tempos para cá, ele ficou silencioso, tive a impressão que ele se afastara. Anjo da Guarda tira férias? Em uma madrugada recente, às três horas da manhã, acordei em estado de grande lucidez e um problema me veio à cabeça. Durante duas horas analisei-o, pesei prós e contras e a solução veio, clara, simples e eficaz, como uma lição bem dada. Rezei agradecendo e após, adormeci profundamente.
            Sempre fui meio cética diante de verdades místicas. A fé em Deus não. Ele reina poderoso. O entusiasmo pela figura de Cristo é enorme, sua beleza, integridade, capacidade de doação, capaz de morrer pelos pecados alheios, dando oportunidade de salvação aos piores pecadores. O que vai além disso é cipoal cerrado, névoa densa, fog.
            Há pessoas assinaladas. Ou ingênuas? Têm uma fé de carvoeiro, forte, inabalável. A minha é tênue, fraca, muito humana, sujeita a lapsos e quedas. Dificuldade de aceitar os chamados desígnios de Deus, quando me parecem muito trágicos.
            Foi um bálsamo quando descobri, na Bíblia, livro que leio sempre, embora não aceite a bibliomancia, a figura de Habacuc, profeta questionador, que interpela Deus, quando acha que os Seus desígnios são terríveis. Eu também cheguei a “brigar” com Ele, quando grandes desgraças se abateram sobre mim.
            Assim, criatura imperfeita, espiritualista, mas repleta de dúvidas, sempre me atraíram as questões metafísicas. Certa vez, dando aula na Faculdade, percebi que uma aluna seguia, boquiaberta,  meus movimentos, na lousa. Perguntei-lhe qual a razão do espanto. Ela respondeu que havia um espírito de luz, que me seguia, de uma lado para o outro, na classe. “Espírito de que cor?”, perguntei-lhe, brincando. “Azul!”, respondeu ela muito séria.  Na realidade, gostei da ideia. Mesmo sem acreditar muito, era belo saber-se seguida por um ser luminoso.
            É assim a vida. O concreto, palpável nos rodeia. E os mistérios? Existirão? Lembro-me então da teoria francesa, que o mundo é um templo rodeado por mistérios indevassáveis. De vez em quando, o homem capta, em um sussurro, alguma mensagem, parte deles.
            Meu Anjo da Guarda é um mensageiro particular? Conforta-me a possibilidade de sua existência, neste complexo mundo. Continuo mais Habacuc que Jó, Tenho muita dificuldade de aceitar , humildemente , o que me acontece. Gosto de pensar, analisar, tentar entender. Coincidências existem? De quem a culpa, quando desgraças desabam sobre nós, ou na nossa história o script é mudado?
            Assim, racional, mas sempre com grandes dúvidas, prefiro a via do meio e adotar uma filosofia parecida com a de Cervantes. Não há determinismo, nem destino. Mas que os mistérios existem, existem.

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