segunda-feira, 18 de junho de 2012



O SOM DA PEDRA
           A Arte tem seus mistérios.  O mais complexo  e profundo talvez seja o talento. Ele é intransferível, inegociável.  É inerente à pessoa, independente de raça, status, cor, situação financeira. Ele pode, às vezes, hibernar, mas um dia eclode, como em uma epifania.
           A reportagem que fala sobre Zabé da Loca saiu na Revista Terra da Gente, de novembro de 2011. O autor é  João Correia Filho; desde o apelido dessa intrigante mulher,  sua história, o talento, tudo parece mais ficção que realidade. Ela aprendeu a tocar pífano com um de seus irmãos, passou a infância na zona rural de Monteiro, a 320 quilômetros da capital da Paraíba. Sua vida é luta sem tréguas, os detalhes de sua historia impressionam.
           Com cinco filhos, sozinha, ficou sem sua casa, que foi levada pela chuva.  Mudou-se então para uma local, uma gruta, perto da antiga casa. Isabel Marques da Silva virou Zabé da Loca, vivendo com os filhos sob duas grandes pedras que se equilibram  há séculos. Ergueu uma  parede de barro, a cama no chão batido,  mudou-se para a maloca, com alguns utensílios de cozinha em um baú.  História incrível. Na gruta viveu por mais de vinte e cinco anos,  todavia nunca abandonou seu instrumento.  A música era o alento para o viver sofrido.
           O articulista continua: “Mais de três décadas se passaram para que Zabé começasse a ver  vida e obra reconhecidas, a romper as fronteiras do mundo. Em 2009, ganhou o Prêmio da Música Brasileira ( antigo Prêmio Tim), um dos mais importantes da categoria no País,  ao receber a estatueta de Revelação do Ano, com CD Bom Todo, lançado dois  anos antes.  Foi aplaudida de pé por Maria Bethânia, Milton Nascimento e Elba Ramalho, aclamada como vencedora. Músicas como Limoeiro, Balaio da Onça e Borborema revelavam ao Brasil um pouco do universo da pifeira e do imaginário musical do interior do Nordeste”.
           Pedro Paulo  Carneiro fez um documentário sobre o Mundo Encantado de Zabé da Loca.  A pifeira semeou esperança no sertão. Desde 2008,  há um belo projeto para crianças,  que aprendem a tocar pífano,  caixa,  zabumba,  prato e a marcar passos da mazurca, dança tradicional que estava desaparecendo na região.  São mais de oitenta crianças, as aulas acontecem  nos arredores da casa de Zabé da Loca.  O Governo ajuda um pouco e Zabé ganha algum          dinheiro com seus shows. Desde que recebeu o título Mestres das Artes,  recebe dois salários mínimos mensais, verba destinada a figuras importantes da cultura popular paraibana. JCF esclarece ainda: Apesar dos poucos recursos, uma das conquistas do citado projeto é a banda mirim, formada por cinco jovens entre 13 e 15 anos. Eles já se apresentaram na região e sonham alto.
           Em um mundo globalizado repleto de falsos valores artísticos, glorificados pela mídia, Zabé da Loca é uma figura excelsa. Fisicamente miúda, o rosto, um mar de rugas. E seu pífano,  instrumento mágico,  é um semeador de esperança. De onde virá tanta força e beleza,  dessa criaturinha iluminada? Ela é um poema de Deus.                                       
                                                        

13 comentários:

  1. Belíssima reportagem. Desses encontros possíveis apenas quando se tem a alma inquiridora. Ávida por novidade.
    Replantio de outono. Sementes que buscam por solos que possam germinar.
    A semente fertiliza. Brota. Produz novas sementes.
    Rica nossa cultura. Basta apenas termos olhar para sair das nossas quatro paredes.
    Percebemos, então, a urgência em nos despir de falsos ornamentos. Esvaziarmo-nos de nós e deixar fluir o "poema de Deus" em nós.
    É nesta manhã de outono que as lágrimas puderam se render à leveza suave de um rosto enrugado, olhos azuis esmaecidos. Mãos trêmulas mas que sabem elevar as notas em trinos exuberantes, como pássaros que gorjeiam livres no espaço.
    Melodia perceptível a alma voltada a natureza divina.
    Ely não me contive. O registro fora inevitável http://retalhosdeleituras.blogspot.com.br/
    Beijos e grata sempre

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    1. Querida Inajá,
      Em seu comentário você usa a bela metáfora, que meu Blog é uma semente que faz germinar pensamentos e textos. Fico feliz. Esta é uma de suas finalidades precípuas. E você enriqueceu meu artigo com um Vídeo sobre Zabé da Loca, de um programa famoso. Isto é bom. Feliz por você existir e enriquecer a vida.
      Ely

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  2. Querida amiga

    O mundo necessita urgentemente despertar a literatura que há escondida nos escaninhos do ser, massificado pela mídia, pelo consumismo, pelo ter em detrimento ao ser.
    Temos de lançar sementes e não esmorecer jamais.
    Felizes somos por cultivar nossa alma lírica.
    Obrigada amiga. Sou feliz pelo nosso encontro. Inajá

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  3. Querida Inajá,
    Enfatizo, ratifico, confirmo tudo o que você disse. De julho em diante, vou preparar a segunda edição do meu livro de contos, Os Girassóis de Girona. Eu lhe enviarei o convite para o Lançamento que se dará até novembro de 2012.
    Abraço.
    Ely

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  4. Querida Ely,
    A Arte tem mesmo seus mistérios. Nascemos já com certos dons? Parece que sim, pois o talento é inato. E o nosso verdadeiro talento sempre aflora.
    Há pessoas que vivem este talento com tanto amor, que passam a muitas outras, a novas gerações, trazendo esperança para um mundo melhor.
    Você, Ely, é uma delas, professora, mestra, poeta, altruísta, que ajudou e ajuda a todos a descobrir seus talentos, a viverem com mais amor, luz e esperança.
    E há as que não estudaram, ou quase nada, mas que também passam esta lição de vida aos jovens, como Zabé da Loca e Cora Coralina.
    Beijos, com gratidão, admiração e amor!
    Márcio.


    "Aninha e suas pedras"

    Não te deixes destruir…
    Ajuntando novas pedras
    e construindo novos poemas.
    Recria tua vida, sempre, sempre.
    Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
    Faz de tua vida mesquinha
    um poema.
    E viverás no coração dos jovens
    e na memória das gerações que hão de vir.
    Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
    Toma a tua parte.
    Vem a estas páginas
    e não entraves seu uso
    aos que têm sede.

    (Cora Coralina)

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    1. Ser lida por pessoas sensíveis como você é um privilégio. Evidentemente, suas palavras são muito elogiosas. Só alguém com uma alma lírica como a sua poderia ter este enfoque sobre mim. Agradeço. Continue enriquecendo meu Blog com seus comentários belos. O poema de Cora Coralina é lindo e sua escolha é muito
      pertinente.
      Beijos.
      Ely

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    2. Ely,
      Eu que agradeço, por tudo.
      Não exagerei sobre você, eu e centenas de ex-alunos seus sabemos disto...
      Acompanho seu blog, leio todos os textos. Continuo a aprender com você, e com todos que aqui escrevem.
      Beijos,
      Márcio.

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  5. A mente humana grava e executa tudo que lhe é enviado. Seja através de palavras, pensamentos ou atos, nossos ou de terceiros, sejam positivos ou negativos.
    Um talento pode ser aflorado. Mas também pode ser provocado.
    Somos excelência quando expulsamos o outro de nós mesmos. Um outro acanhado e desatento à floração textual. Mas quando este outro ganha identidade e se liberta do casulo, como num sopro, surge um desbravador das palavras. Daí em diante, o artista (escritor) passa a enxergar além do óbvio.

    Abraços de Aparecida

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    1. Minha querida,
      Você sempre foi muito inteligente e sensível. Desde que criei meu Blog tenho o privilégio de receber comentários seus que são verdadeiras pérolas literárias. Fico feliz de inspirar seu talento.
      Beijos.
      Ely

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  6. "Alegoria da primavera"

    Rosas saem de sua boca,
    douradas tranças cascateiam pelos ombros nus...
    Ao redor, ninfas esvoaçantes,
    semidespidas dançam um minueto eterno
    enquanto no bosque,
    das escuras copas,
    surgem faunos obscenos,
    com mãos ávidas, que procuram,
    osculam os doces corpos, com paixão insana.
    O chão é relva grácil, úmida,
    que inunda a sala de gnomos,
    rindo do espetáculo.
    E eu parada, no centro,
    observo o mundo.

    (Ely Vieitez, "in" A Encantadora de Serpentes.)

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    1. Ah, meu querido Márcio!
      Que surpresa, você citar este poema de meu primeiro livro de poesia... Encantadora de Serpentes: amargura, tristeza, poemas pesados de sofrimento. Os livros são o depoimento do que se passa na época quando eles são escritos. Se você se lembrar do Paixão Desmedida ou dos Cantos de Amor ao Amado, este clima poético mudou completamente. Graças a Deus, Cronos é dinâmico e muda sempre, como a própria vida.
      Beijos.
      Ely

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    2. Este poema me fez lembrar das pedras da vida... E do talento, do seu, com as palavras.
      Agora, seguem novos versos, pura poesia:


      "Sensações"

      Quando me falaste da floração das tílias
      e me deste um fresco verde ramo delas
      foi teu perfume que me embriagou
      e não o das flores.

      Teu toque é doce / tépido
      grandes mãos em calmaria
      porto de blandícias...
      Só amedrontam teus olhos
      oceanos profundos
      onde posso perder-me.

      (Ely Vieitez, fragmento, "in" Paixão Desmedida.)

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