domingo, 7 de abril de 2013

A IGREJA DO DIABO


A IGREJA DO DIABO
                  
         É comum pensar que o mundo nunca foi tão violento. O homem moderno transformou-se no grande vilão. Na verdade, a violência nasceu com o ser humano, está na sua essência. O fratricídio de Caim é o exemplo expressivo, nos imemoriais tempos bíblicos. Os latinos já afirmavam sabiamente que o homem é o lobo do homem, verdade ratificada por Hobbes, no século XVIII.
                   Em uma análise um pouco mais criteriosa, vê-se que a violência banalizou-se, assim como a moral, os costumes, os valores em geral. Apenas algo inexorável não mudou: a complexidade humana. Grandes obras literárias, mitos, lendas, tudo atesta isso. E essa causa detona efeitos irreversíveis: cada vez mais a comunicação torna-se difícil, os relacionamentos mais duradouros tendem a desaparecer. É um paradoxo. O homem é um animal gregário, não nasceu para viver só. Ao mesmo tempo, com sua complexidade, entender o outro, viver com ele é um pesadelo, um impasse. Os poucos que o conseguem são privilegiados, assinalados, ou mais sábios na arte de viver?
                   A temática não é moderna. Em famoso conto com o título em epígrafe, Machado de Assis consegue, de maneira magistral, criar uma fábula (ou apólogo?) demonstrar a condição humana. O Diabo, belo e varonil, pede a Deus para criar uma Igreja que arrebanhará milhões de adeptos. Lá, todos os vícios seriam virtudes e vice-versa. O paraíso dos pecadores. Liberdade total. Libertinagem, ausência de censura. E o Diabo, maléfico, sorrateiro, sagaz e inteligente, vai explicando sua nova teologia (ou demonologia?). Sua lógica é perfeita. Quase chega a driblar o Senhor, com o exemplo do velho misógino. Interessante notar que os pronomes de tratamento são expressivos. O Diabo dirige-se ao Senhor, tratando-O por “Vós”, com respeito e Deus fala ao filho rebelde com intimidade, usando o “Tu”.
                   Talvez enfastiado de tanta lógica e sofismas, ou querendo dar uma lição a Lúcifer, Deus dá o alvará à Igreja do Diabo.  Dá-se, então, o esperado. Multidões se deliciam com a nova seita tão atraente. Os conceitos são interessantes. A fraude, por exemplo. Ela é o braço esquerdo do homem; acontece que muitos nascem canhotos, então não há culpa. “Se podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas legalmente tuas, por que não a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé?”. Tudo é apenas exercer um direito. Não proibiu a calúnia gratuita; ela deve ser exercida mediante retribuição, melhor ainda se for paga. Solidariedade, falta grave, deve-se dar ao próximo a indiferença.
                   O conto é uma obra-prima atualíssima e universal, de conhecimento da alma humana. O homem, desde os primórdios, tenta entender o Bem e o Mal, por que é tão árdua a luta, a opção por um ou pelo outro? Pascal, no século XVII, derrubou a filosofia simplista do Maniqueísmo, aceita na Idade Média. Machado de Assis, com ironia, resume toda a questão tão complexa, com a alegoria das franjas. Os homens são paradoxais. Aparentemente livres, suas almas têm franjas de seda e / ou de algodão, se amantes do pecado, do erro. Impossível rotulá-los de bons ou maus. Nem eles mesmos sabem optar. É a eterna contradição humana.

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