terça-feira, 9 de julho de 2013

A HORA ÍNTIMA

A HORA ÍNTIMA


Há textos que parecem ter vida própria. Fazem parte do nosso Inconsciente e, de repente, nos vêm e nos possuem com uma força da qual não conseguimos fugir. Eles surgem nos sonhos, nas vigílias, ou, simplesmente aparecem como ondas repetidas, que voltam sempre, inexoravelmente. Aconteceu com o poema  A Hora Íntima, de Vinícius de Moraes, que me fez uma visita da qual não consegui escapar.
O título é notável, porque ele se refere ao seu velório. Inicia o texto com um dístico, uma interrogação muito criativa: “QUEM PAGARÁ o enterro e as flores / Se eu me morrer de amores?”. Sabe-se que poesia é inspiração e, principalmente, linguagem.  Nosso Poeta conhece bem essa afirmação. Assim, esmera-se nos dois versos. Começa com um sujeito indeterminado, que universaliza o tema. Preocupa-se, poeticamente, com o responsável pelas despesas de sua morte, mas une duas realidades diversas, uma trágica, grave _ o enterro, e outra supérflua: as flores. Os dois termos vêm unidos pela conjunção coordenativa aditiva, igualando-os.
Logo a seguir, em uma liberdade poética, violentando a sintaxe, usa o verbo intransitivo “morrer”, como pronominal. Sua causa mortis é lírica e ignorada pela medicina: Ele morre de amor. Assim são os poetas.  Só nos cabe lê-los, entendê-los e amá-los.
Não se preocupe, caro leitor. Meu sadismo não vai a tanto. Não vou continuar a análise gramatical, sintática e semântica do poema. Falarei apenas do belo conteúdo.
Ainda com o sujeito indeterminado, pergunta: “       Quem, dentre amigos, tão amigo / Para estar no caixão comigo?”. Há maneira mais forte, do que perquirir quem o ama tanto, a ponto de morrer com ele? A seguir, ele menciona uma galeria hipotética muito interessante, dos possíveis presentes no seu velório.
         Desfilam o ingênuo, o generoso, o bêbado, o lírico, que “virá despetalar pétalas”, no seu túmulo... O materialista, que acredita na reciclagem, joga na terra, um grão de semente... O covarde ora, os loquazes dirão palavras tão belas, que empalidecerão o mármore. Os filósofos, os que farão discursos oficiais, os simples, os que lá estão por “motivo circunstancial”, os resignados.
Há, a seguir, toques de erotismo, mulheres sofredoras pela perda do Poeta: “Quantas, debruçadas sobre o báratro / Sentirão as dores do parto?”, a criatura pálida, que “     tocará o botão do seio”, a que sofre tanto, que despertará receios, a que o ama perdidamente, que terá de ser arrancada, abraçada ao seu esquife, a estranha figura / A um tronco de árvore encostada / Com um olhar frio e um ar de dúvida”.
Surge ainda aquele que, com o “rosto sulcado de vento / Lançará um punhado de sal”, na cova de cimento do Poeta... É uma metáfora rica, como também quando ele menciona aqueles, de “maxilares contraídos / o sangue a pulsar nas cicatrizes”... E, às vezes melancólico, às vezes irônico, faz a pergunta final, repetindo o dístico, mas com uma mudança gramatical expressiva: No começo usa o futuro hipotético, no final, a locução verbal com o presente do indicativo, como auxiliar, o que torna o questionamento mais forte: “      Quem vai pagar”...
         Vinícius de Moraes é um poeta irregular, com alguns textos mais fracos e outros que são uma obra-prima. Sem dúvida, A Hora Íntima tem um lugar de destaque  entre os seus mais belos poemas.



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