domingo, 14 de julho de 2013

DESMITIFICAÇÃO E / OU A INOCÊNCIA PERDIDA

DESMITIFICAÇÃO E / OU A INOCÊNCIA PERDIDA

Sempre me foi doloroso quando algum iconoclasta destruiu um mito que me encantou na infância ou na adolescência.
Mineira, eu amava a figura de Tiradentes, com as barbas e os cabelos longos, a corda grossa no pescoço, o ar de homem bom, que lembrava muito o Cristo. Ele era meu herói, o líder da Inconfidência Mineira, o homem que lutou pela liberdade do Brasil, contra o jugo português. Vibrava com sua valentia, quase a ponto de sair de peito aberto a gritar com entusiasmo: “Libertas quae sera tamen”!  Em uma aula trágica de História, no Colegial, o professor destruiu meu herói. Morreu sim, foi esquartejado, salgaram sua casa para que nada mais ali vingasse, mas ele era o mais pobre, o menos importante do movimento dos Inconfidentes. Como matar um Cláudio Manuel da Costa, ou o fidalgo imponente Tomás Antônio Gonzaga? Na Faculdade foi pior. Teses de pós-graduação punham em dúvida, mesmo sua morte trágica. Ele teria fugido para a África e escapado do castigo execrável.
Decepcionada, infeliz, detestei a nova realidade. Depois foi durante uma visita às Cidades Históricas de Minas. A certa altura, o professor de Literatura Brasileira, que fazia o tour conosco, disse: “Daquela janela, Marília namorava o seu Dirceu, que residia logo acima...”. Todos os versos, as liras do livro “Marília de Dirceu” vieram-me à cabeça, a doçura, a pureza do grande amor  dos dois  personagens  famosos. E o professor completou: “Marília, cujo nome, na verdade, era Maria Dorotéia, não amava Dirceu. Hoje ela seria chamada de “carreirista”, uma jovem quase adolescente, muito ambiciosa, atraída pela fortuna, fidalguia e pelo status de Gonzaga, o elegante português quarentão”. O professor tripudiou sobre minha tristeza. O nosso Dirceu também não a amava tanto assim. Logo que o movimento libertário foi descoberto pelos portugueses, o poeta escafedeu-se para a África, casou-se com mulher rica e analfabeta...
A vida desbotou-se, ficou mais feia, Víboras da dúvida picaram-me o coração, envenenando-o. Com certeza, Romeu e Julieta não morreram jovens, pelo seu amor impossível, Abelardo não foi castrado, Heloísa nunca entrou para o convento. D. Pedro arrancou mesmo leoninamente os corações dos assassinos  de sua adorada Inês de Castro, a que depois de morta foi rainha? Dante amou a vida toda sua Beatriz, vista de relance em uma janela? Não morreu Fedra de amor, pelo seu Hipólito? Orfeu desceu aos infernos e resgatou Eurídice da morte?
Um mar de dúvidas. Tudo ficção. Lições falsas de beleza para que se engula a realidade insulsa, insípida, tediosa. Uma lástima. Um pesadelo.
De repente, a incerteza virou a maldita Hidra de Lerna, com suas cabeças hiantes. E o Cristo? Quantas versões surgirão ainda sobre a figura amada, tão carismática? Alicerçando-se nessa hipótese, escritores modernos têm publicado best-sellers com versões esdrúxulas sobre o chamado Messias.

Infeliz, com a alma cabisbaixa, argumentei com meus botões: Não seremos nós mitos, heróis da ficção de Deus? E quando o Diabo nos desmascarar, com sua sarcástica lucidez? O que sobrará da magnífica Criação? 

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