domingo, 9 de fevereiro de 2014

OS OLHOS DE DEUS

                    OS OLHOS DE DEUS
(Texto inspirado em uma gravura de Dalí)
         
 Sobre o monte, os olhos de Deus. Ao longe, o mar. A figura feminina seminua, que se vai, envolta em rósea nuvem. Os olhos femininos de Deus, atrás dos óculos escuros, sérios. Através das lentes, montanhas ao longe e em primeiro plano, figuras masculinas? Contraste da cor ocre da terra e do auriverde do céu, onde nuvens formam desenhos insólitos. Almas que voam?
          A gravura é a anti-insciência humana. O homem ou Deus vendo: “Eternidade: os morituros te saúdam”. Os que vão morrer saúdam a desejada eternidade. Em um átimo, o milagre: “Eternidade: os morituros te beijaram”. O beijo da vida. Os homens não mais são animais que vão morrer. Morte, onde está tua vitória?
          Outro poema de Drummond: O Deus mal Informado. “No caminho onde pisou um deus”, que se perde em estradas, faminto de eternidade, saudoso de existência, “mas a estrada se parte, se milparte, / a seta não aponta destino algum, e o traço ausente / ao homem torna homem novamente.”
O homem é só insciência, derrota, má informação. Culpado até de não ter culpa, morre todo o tempo “no ensaiar errado / que vai a cada instante / desensinando a morte”; o homem, o sobremorrente (delicioso neologismo do Mago de Itabira). O homem, vítima, caça, que sempre foge veloz do tiro e do caçador.
          Drummond vaticina: “Não morres satisfeito, morres desinformado”, Dalí cria o único caminho da antimorte, o antídoto contra o veneno maior, a efemeridade. Só há uma maneira de ser eterno: a Arte. Quando o Artista cria, ele é um deus. De suas mãos demiúrgicas fluem mundos, em um novo Fiat Lux. Recria.
          Sobre o monte avermelhado, resquícios de vida marinha. Mistério do mar sobre a Terra. Água e terra se unem sob os olhos de Deus, aguçados e atentos. Os olhos miram um ponto fixo. O que veem os olhos? Sinédoque de que Criatura? Mistério? Se o Homem é insciência, cegueira, os olhos são de uma Criatura-não-Homem? E se ele foi criado à imagem e semelhança de Deus, os olhos são de um AntiDeus? Do Demônio? Daquele que vê? Os olhos de Dalí. Deus e o Diabo.
          A criatividade dos artistas, dos pintores, dos poetas me impressiona. Que levedo mais rico recebem na sua massa? Os assinalados são escolhidos? O talento nasce com os grandes artistas, uma espécie de perfume aureolando suas almas. O tempo só pode aperfeiçoar a técnica, o fazer. Fico, então, imaginando a cena: o Todo Poderoso mexendo as peças do grande jogo de xadrez da vida. Este brilhará. O outro conseguirá penetrar nos mistérios insondáveis da existência humana.  Àquele darei palavras para exprimir o inefável... O outro terá antenas que poderão captar o imponderável.
          Ao seu lado, um Anjo que pouco sabe  do Jogo da  Criação, interroga-O, abismado: E eles serão felizes, amados? Deus sorri diante de tanta ingenuidade angélica. Realmente, seria pedir demais... O pobre Anjo se afasta ensimesmado, perguntando-se: Então, o dom do talento é prêmio, ou castigo? Não recebe resposta alguma. É mais um mistério da Onisciência Divina.

                            

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