CILADAS
DO AMOR
O Amor é um sentimento complexo. Só os seres humanos o
conhecem, mas ele sempre surpreende. Cantado em poemas e canções, desde tempos imemoriais,
ele continua fascinando.
A Lírica de Camões tem poemas sobre o Amor, famosos há séculos
e sempre atuais. Ele diz sobre os paradoxos desse sentimento que atrai
e amedronta: “Tanto do meu estado me
acho incerto, / Que em vivo ardor tremendo estou de frio, / Sem causa justamente choro e rio, / O mundo todo abarco
e nada aperto.” Os Amantes têm tudo e nada, experimentam glória e perdição. Eu
mesma, em um poema, com o título
Antissentimento, tento deslindar esse
sentimento misterioso, onde,
paradoxalmente, afirmo que quem conhece o Amor acaba por experimentar
céus e infernos, perda da paz,
felicidade e medo, alegrias e dúvidas, insegurança. Os Amantes são seres
privilegiados, porém o prêmio que
devera ser alegria, tem
alto preço: “ Só nostalgia, amargura, a dor dos assinalados em
desgraça./ Dos mortos na dúvida,/
Sufocamento
sem fim / Porque o epílogo fatal, / Prova sempre, efêmero e falaz, / Que o amante sorve o veneno / Todavia não morre do mal”.
Por que introdução tão longa? Afinal,
como diz o título, eu só queria narrar duas histórias verídicas sobre o tema e
em ambas reina o inesperado, uma trama sem autor, intrigante. Vamos aos fatos.
Nosso herói se casara com uma moça inteligente,
séria, sensata, que lhe deu uma bela filha. Mas algo o incomodava: a esposa não
era muito bonita. Mas ele também não.
Depois de alguns anos, começaram a se desentender, veio o divórcio.
Aborrecido, nosso herói prometeu a si
mesmo: quando se casasse de novo, seria com uma mulher bela, linda. Queria
acordar feliz e realizado, olhar ao lado e ver uma deusa de beleza, uma
perfeição. Afinal ele conseguiu encontrar sua eleita. Ela era uma obra-prima da
Natureza.
Ora, felicidade tem seu preço. E às
vezes muito alto... A nova esposa gastava muito, em tolices, roupas, sapatos,
perfumes importados, joias. Um poço sem fim. Ele suportava tudo, encantado com
a mulher divinal, belíssima, que dormia com ele, todas as noites.
Ela exagerou. Começou a gastar com sua
família, que era numerosa: dentista para os irmãos, Colégio para as irmãs,
planos de saúde para o pai, a mãe e a récua
toda. Ele se desesperou, vendo todo seu dinheiro escorrer-lhe pelos
dedos. Um dia ela o abandonou, deixando uma dívida imensa. Dez anos depois, nossa pobre vítima
arcava ainda com inúmeras prestações, um pesadelo. Nunca mais ele se casou e
não entendeu nunca a cilada do destino, o preço da concretização de seu sonho.
O segundo caso tem também uma vítima,
uma cilada do Amor. A prima miúda e insossa desfilava pela cidadezinha,
apresentando o belo espanhol que viera da Galícia, para se casar com ela.
Mostrava o moço lindo, magro, alto, de bastos cabelos meio ondulados e uns
inacreditáveis olhos esverdeados, que às vezes eram meio cinzentos.
Apresentou-o a todas as moças, menos para
Lena. Também, ele não iria se interessar por aquela moça alta,
pestanuda, de sobrancelhas cerradas, peitos volumosos e quadris grandes.
Cidade pequena é uma ilha, onde todos
se encontram. A prima apresentou Lena ao jovem espanhol. Olharam-se e o
mistério aconteceu. Ele apanhou uma rosa vermelha
no jardim ao lado, ofereceu a Lena,
dizendo: Uma rosa à mais linda moça da Cidade. Ela corou e aceitou a
prenda. Três meses depois casaram-se na pequena igreja da cidade mineira.
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