domingo, 23 de março de 2014

VISITA INESPERADA

 VISITA INESPERADA

          O homem procura a felicidade com obsessão. Talvez ela não exista, ou esse pobre macaco glabro erre nas opções. Vicente de Carvalho eternizou a problemática, quando diz: “Essa felicidade que supomos, / árvore milagrosa a que sonhamos / Toda arreada de dourados pomos, / Existe, sim, mas nós não a alcançamos / Porque está sempre apenas onde a pomos / E nunca a pomos onde nós estamos.”
          Muitos incautos pensam em encontrá-la em coisas materiais, como dinheiro, bens, ou na fama, no poder. Tudo é efêmero e traz, no final, o ressaibo do tédio e da desilusão. Não é apenas na sede de poder, mas em todas as ambições, é preciso lembrar sempre que, acima de cada cabeça obcecada há, perigosamente, uma Espada de Dâmocles.
          Ora, a idade madura, às vezes vista como castigo, traz alguns privilégios e um deles é reconhecer os valores essenciais, ter uma espécie de feeling para o que realmente é importante na vida. Uma boa opção talvez, sem exageros, é ser presentista, viver à exaustão, o momento presente. Admirar a filosofia de Horácio, o Carpe Diem, ver com acuidade, certos frutos doces e magníficos, como colheita de uma seara lúcida e aureolada de sonhos.
          Sabe-se que a experiência é ao portador, porém diante de tanto ceticismo, ouso relatar uma descoberta que talvez possa embelezar um pouco a complexa vida moderna.
          Troquei uma vida de quarenta e sete anos, em apartamento, sempre por segurança e praticidade e vim para a minha Pasárgada: casa ampla, com clima mais ameno, muito verde e logo se formará um jardim ainda em projeto. Chego a ver as buganvílias de cores variadas enfeitando as cercas frescas de murta; virão as gérberas, as prímulas, rosas e árvores ornamentais como os ipês, um flamboyant, as quaresmeiras de roxo vivo, acácias e um gracioso chorão. Ao redor da piscina muito azul, os coqueiros anões, com sua alegria tropical. A horta de tenras folhas, o futuro pomar pejado de frutos doces.
          Os animais completam a beleza harmônica e transformam o local em um santuário ecológico: duas cadelas labradoras, cor de chocolate, de lindos olhos verdes, curiós, cujos cantos são puro violino, com suas femeazinhas à espera de gala, os beija-flores visitam o pequeno bebedouro de água açucarada, borboletas várias, de cetim, enfeitam a tarde. Em uma árvore vizinha, quatro maritacas jovens, ruidosas e um sabiá. Bem-te-vis coloridos saltitam e se aproximam, em meio a uma enorme variedade de pássaros. Gaviões voam, dando um toque de mistério e de perigo, enquanto soturnas corujas, estátuas imóveis, filosofam ao anoitecer.  A beleza e a paz alimentam a alma.
          Há pouco tempo, uma visita pitoresca, muito inesperada: um mico estrela tem vindo comer a banana que deixamos para ele. Domingo de manhã, na sua galanteza, fez-nos uma visita. O irrequieto amiguinho deve morar nas matas cerradas, cor de jade, que bordejam o rio, aqui perto.

          Namoramo-nos de longe, eu encantada, ele arisco e cuidadoso. Pela hora inteira que estivemos juntos, tão próximos, chego a crer que ele voltará. Deixei-lhe, então, junto às frutas, um recado: “Volte sempre. A casa é sua”. 

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