terça-feira, 19 de julho de 2011

O TESTE

O TESTE
                 Sempre tive mania de testar a mim própria e ao próximo. Os campos variavam, mas o que me fascinava mais era medir, nos outros, o binômio inteligência e sensibilidade.
                 Conheço a notável teoria americana dos vários tipos de inteligência (para o comércio, as máquinas, o esporte, para as ciências exatas, para as artes em geral). A que me atraiu foi a IE (Inteligência Emocional). Sem ela, o ser humano é um inapto diante das dificuldades da vida. Simplificando, a IE é a arma com a qual homens e mulheres tornam-se verdadeiros semideuses, capazes de enfrentar e vencer todos os alçapões e ciladas da existência.
                 Ora, certos vícios podem desgraçar os seres humanos: o pessimismo, o ciúme, a preguiça, o preconceito, a ambição desmedida. Contra tais chagas a terapêutica é quase utópica. Assim, preferi testar algo mais atraente: a inteligência e sensibilidade do leitor.
                 O hábito é antigo. Quando foi publicado Platero e Eu, de Juan Ramón Jimenez, livro classificado de elegia ou poema em prosa, com o qual o autor ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1956, comecei a minha bateria de testes. As narrativas que descrevem o ambiente e a vida de gente simples de uma pequena aldeia andaluza, a afeição por Platero, o burrinho mágico, tudo de um lirismo muito belo e original.
                 Comprei cem exemplares do Platero. Quando queria medir a sensibilidade de um amigo, de uma visita, dava um de presente. Os resultados foram muito bons. Depois fiquei mais exigente. Queria saber da capacidade intelectual do leitor. Meu segundo teste era alicerçado em premissas muito sérias. No início da década de setenta, ao conhecer a obra Nove, Novena, de Osman Lins, publicada em 1966, testava intelectuais e leitores exigentes. Aquele que conseguia entender o livro, gostar dele, passava no teste. A obra é complexa, muito original, com procedimentos literários inusitados, que renovaram a arte de narrar.
                 Osman Lins, lúcido, erudito e iluminado, ungido de um otimismo que fazia fulgurar seus olhos azuis, disse-me: “Creio em algo belo. No futuro, até os operários vão ler Nove, Novena!”. Senti contradizê-lo, mas eu já percebera a inexorável decadência dos cursos universitários, o arrefecimento do hábito de ler boa literatura. Eu sabia ( o que realmente aconteceu e vem aumentando hoje), que o vício do fast-food literário, com a opção por textos e livros superficiais, fáceis e comuns grassaria por todo o país. Pior: descobri em alguns Congressos, no exterior, que o problema é globalizado.
                 Foram tantas as decepções, que parei de testar. Agora em junho, fui de novo picada pela mosca azul de encontrar o leitor lúcido e perspicaz.  Um neto meu, afim, que terminará o Curso de Medicina em outubro deste ano, encantou-me por ficar horas na rede, agarrado a um massudo romance de autor difícil e complexo. Ele é um leitor voraz, inteligente, culto, fala inglês fluentemente, escreve muito bem, cinéfilo, quase um hacker no computador. Ofereci-lhe Nove, Novena, para ler.
                 Durante dois ou três dias, vi o belo jovem mergulhado nas narrativas de OL, fascinado com a descoberta. Às vezes comentava comigo alguns tópicos que o impressionaram muito pela ousadia estilística e a originalidade.
                 Diante do resultado tão auspicioso deste começo de inverno, resolvi estimular mais o meu velho hábito de testar leitores. Quem sabe encontrarei uma plêiade de criaturas não reificadas, argutas e sutis, capazes de se apaixonarem pela literatura da melhor qualidade?

                

8 comentários:

  1. Querida Ely,
    Gosto muito dos seus textos; além de transmitirem sua cultura também instigam o leitor a adquiri-la. É o meu caso; vou tentar "passar"no seu teste com esta obra e começarei já.
    Também a convido a me visitar no Pé de Pitanga, meu blog que mantenho há 6 anos. Se for me ver, me deixe um recadinho, vou adorar!
    Um grande e caloroso abraço!

    Cecília Figueiredo

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  2. “Internetês - é um neologismo (de: Internet + sufixo ês) que designa a linguagem utilizada no meio virtual, em que "as palavras foram abreviadas até o ponto de se transformarem em uma única expressão, duas ou no máximo cinco letras", onde há "um desmoronamento da pontuação e da acentuação", pelo uso da fonética em detrimento da etimologia, com uso restrito de caracteres e desrespeito às normas gramaticais”.

    Este é o recurso usado pelos jovens diante dos computadores. Abreviam as palavras, não usam a pontuação correta.
    Estes, já deficientes em relação à escrita, sucumbem diante da beleza da língua portuguesa.
    Nos tempos atuais está havendo um retrocesso cultural.
    A própria internet facilitou os trabalhos escolares. É dar Ctrl+C e Ctr+V! Não se preocupam em ler para entender. Que dirá livros complexos!
    É pura realidade!
    Bons tempos os dos vorazes leitores! Saboreavam as palavras, degustavam os temas, discutiam sobre as escolas literárias, a personalidade do autor e assim por diante.
    Ely, continue com seu caça-talentos. Alguns diante de milhares aparecerão. Exaltemos esses brilhantes leitores. Divulguemos para torná-los semelhantes à mestra!

    Um grande abraço de Aparecida!

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  3. Testes são um mecanismo interessante de evidenciar entrelinhas. Fiquei curiosa com as obras. Se algum dia cruzarem meu caminho, certamente, lembrarei-me de ti.

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  4. Cecília iluminada,
    Blog lindo, ilustrações belas, poemas notáveis. Não é casual que tanta gente a visite. O meu pobre blog é objetivo, meio didático talvez. Por isso afasta muitos leitores. O que fazer? Eu ainda expulsarei a professora que me habita.
    Abraços.
    Ely

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  5. Aparecida, minha querida!
    Este problema que você menciona é muito sério. O "Internetês" só não é prejudicial quando o internauta escreve muito bem e usa o "dialeto" como brincadeira.Se ele é um analfabeto funcional, a coisa é séria e pode prejudicá-lo, aprisioná-lo na ignorância.
    Abraços.
    Ely

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  6. Querida Nívea,
    Você é muito inteligente.Tente conhecer Nove,Novena, de Osman Lins. Depois comente o que achou.
    Beijos.
    Ely

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  7. Ely,

    Há um trabalho muito interessante que circula pela internet, onde os teóricos afirmam, com base num princípio abordado provavelmnete por Platão pela primeira vez, de que nosso cérebro age de duas formas distintas: uma orientada pelo hemisfério direito (predomínio da lógica) e outra pelo esquerdo (predomínio da intuição).
    Este e-mail, eu o recebi de meu amigo Jugurta (você o conhece?).
    A inteligência racional atua mais fortemente no cérebro lógico. A inteligência emocional, no intuitivo.

    Eu tive, de certa feita, um aluno que me questionou: "Por que tanta gente fica perdendo tempo com esta bobagem de literatura? Essas pessoas bem poderiam gastar o tempo delas pesquisando a cura da AIDS, por exemplo! Não seriam eles mais úteis à humanidade? E, com isso, ficam aporrinhando a vida da gente durante os vestibulares com movimentos e estilos literários, interpretação de textos, leituras de poemas, análise sintática, etc. Haja saco!"
    Eu olhei bem nos olhos dele. Confesso que fiquei meio perdido, pelo inusitado da pergunta naquele momento, após o que respondi: "Caro Fulano de Tal, nem só de pão vive o homem." E calei-me por aí. Há momentos que falar pouco é mais eloquente. Ele me olhou meio esbugalhado, baixou a cabeça e continuou olhando para a página da apostila. Se entendeu o que eu disse, eu não o sei até hoje. Talvez, sim, pois era um bom bom aluno e muito inteligente. Só não tinha sido despertado, durante mais de dez anos dentro de escolas, para a importância dos assuntos ligados à sensibilidade até aquele momento. Nem por mim, pelo visto, que pensava estar fazendo papel de educador. O que sei é que ele enveredou pelos caminhos da Biologia, tornou-se um excelente profissional na área da Saúde.
    Por força de minhas atividades comerciais atuais (naquele tempo eu ainda lecionava), eu tenho cruzado com ele ao longo do tempo e, não raras vezes, ele reclama de que a profissão que escolheu anda muito árida.
    Talvez se lhe tivesse dado um Osman Lins, Nove Novena estaria ainda amarelando nas gavetas de algum armário velho da casa dele até hoje. Mas se tivesse dado um Platero e eu, ou um Juca Mulato, o milagre poderia ter sido operado. Não o fiz. É bem provável que ele nem saiba quem seja osman Lins, Juan Ramon Jiménez ou Menotti del Picchia até hoje.
    Não faz muito tempo, começou a estudar pintura. Quando fiquei sabendo, um filme passou em minha mente. Vai ver, esse aluno, hoje um bom profissional da Saúde e bom pai de família, aparentou ser feito de aço, mas tinha alma de lua, como Platero (lembra do primeiro capítulo?) e eu e outros professores é que não vimos o manto diáfano em seus olhos. Talvez tenha faltado uma Ely na vida dele, e ele teria ido estudar pintura muitos anos antes.
    Pensando bem, acho que ele, sim!, entendeu (mesmo que não o tenha ainda percebido) que nem só de pão vive o homem.

    Bejos fraternos do

    Waldomiro

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  8. Ely querida,

    Em seu blog me encontrei pois, como a heroina da ópera "La Boème"
    "Agradam-me aquelas coisas
    que possuem doce feitiço,
    que falam de amor, de primavera,
    de sonhos e de quimeras
    aquelas coisas que tem nome de poesia...
    Você me entende?"
    Sei que sim. Com todo meu carinho e admiração Iêsa

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