segunda-feira, 8 de outubro de 2012

PIRATININGA


PIRATININGA
               
                Às vezes coisas boas acontecem. A enteada querida convidou para conhecer sua casa nova, em Piratininga. Consultei a geografia. O local é um bairro de Niterói, Rio de Janeiro.
                Sempre aprendendo. Quando a nave alçou voo, veio a mensagem da aeromoça: Passaredo significa bando de pássaros. Fiquei encantada com o substantivo coletivo. Uma hora e quinze depois, aterrissávamos no aeroporto do Galeão. Do carro, eu observava as belezas da cidade, hoje Patrimônio Universal. Realmente, o Rio é uma das mais belas cidades do mundo. Parece um cartão postal diferenciado.
                Como nada é perfeito, PC, que gentilmente nos foi buscar, ia nos orientando sobre as belezas e as mazelas da cidade famosa. O trânsito, problema globalizado, um pesadelo. Nos morros, as incríveis favelas, imensas, famosas, coloridas, lembram quadros inusitados, pintados por algum artista talentoso.
                No dia seguinte fomos a Piratininga. A casa grande, sólida, a praia belíssima, a perder de vista, inacreditavelmente vazia, apesar do domingo. O mar, um poema azul. Levaram-nos à incrível Praia do Sossego, de inacreditável beleza. O bairro chique de Camboinhas, com os Condomínios de luxo, surgiu assim, não mais que de repente, em poucos anos.
                À tarde, após o almoço, eu descansava, quando me lembrei que levara comigo o livro de Mário Quintana, Nova Antologia Poética. Lugar perfeito, para ler o grande poeta. Deliciada, fui lendo os poemas, quando deparei com uma estrofe muito pertinente, todavia melancólica: “Antes, todos os caminhos iam./Agora, todos os caminhos vêm./ A casa acolhedora, os livros poucos./ E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas”.
                Fechei o livro e fiquei a cismar, neste reencontro com Mário Quintana. Por que a idade nos traz tantos fantasmas? Lá fora, o pessoal jovem tocava violão, cantava alegre, desprevenido... Na mocidade, todos os caminhos parecem róseos, as veredas têm mais flores que espinhos. E é bom que seja assim. O caminho se faz caminhando. Não se deve alertar contra possíveis alçapões na vida. É preciso que cada um, ao encontrar os seus, saiba como enfrentá-los. A teoria jamais é a mesma, a vida não admite receitas nem rascunho. É ali, no vivendo, no embate.
                Continuei lendo Quintana. De repente, uma estrofe linda: “Cada palavra é uma beleza morta espetada na página. / Por isso a palavra escrita é sempre triste”... Amarguras de poeta. Ele, contudo, parece ter esquecido do ditado latino, que afirma: As palavras faladas voam, as escritas permanecem. Realmente, quem escreve, pratica uma ousadia. Lembrei-me da ex-aluna querida, que acabou de ler meu romance epistolar, Cartas a Cassandra: “Perdi o sono, tentando distinguir o real e a ficção nas Cartas.(...) Confundir os leitores, pobres ex-alunos, é este seu prazer, seu ofício. Vocês, escritores, propositadamente alteram datas, nomes, recriam a realidade, embaralham as cartas. Cassandra é você, escrevendo para a outra para exorcizar seus fantasmas”.
                Ah, doce Jacy, não tente entrar neste cipoal de conceitos. Nem o próprio autor (ou autora) conhece bem os limites da ficção e/ou da realidade em suas obras. Ele escreve por uma necessidade ingente, coloca no papel a SUA realidade, alicerçada no Inconsciente, na sua vida, nos livros que leu, na  criatividade. Que leitor poderá delimitar o que é ficção, o que é real? Acho que só Deus.      Talvez, nem Ele, que tem coisa muito mais séria que fazer.


2 comentários:

  1. Ser citada no mesmo texto com Mario Quintana encheu de alegria meu pobre coração ateu. Publiquei-a no grupo dos seus ex-alunos do Vilhena. Espelho,espelho meu: existe alguma ex-aluna mais orgulhosa do que eu?...Beijos, Jacy.

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    1. Minha querida,
      Mencioná-la em meu texto é tão pouco. De uns tempos para cá, a Internet tem me propiciado contatos enriquecedores com ex-alunas brilhantes como você. É algo tão precioso que breve pretendo abordar este tema controverso. A Internet é um instrumento que pode ser bem ou mal utilizado. É caminho, vereda de possibilidades mágicas , ou arma perigosa. Depende de quem tem acesso a ela.
      Beijos.
      Ely

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