terça-feira, 27 de agosto de 2013

QUANDO SETEMBRO VIER

QUANDO SETEMBRO VIER

Ao ler o título acima lembro-me do Projeto homônimo, que consegui concretizar, durante onze anos. Em todo setembro, eu convidava alunos, jovens poetas de Ribeirão Preto e cidades da região, para virem ao    SESC, declamar seus poemas. Certa vez havia quatro ônibus de cidades vizinhas e o Auditório ficou repleto. Era gratificante, apareciam textos ótimos, mas algo me entristecia: os meninos, os jovens talentosos traziam poemas lindos, mas os liam com vozinha fraca, sem nenhuma expressão. Criativos, todavia mal preparados, matavam a beleza de sua obra. Tentei enriquecer os Encontros, convidando também jovens músicos.
Hoje, no entanto, falo de outro setembro, do presente, do agora. Ora, vivo em Ribeirão desde o final da década de 40, quando eu era ainda uma adolescente. Em 1996 recebi o título de cidadã ribeirão- pretana, oficializando assim, o grande amor clandestino. Amo esta cidade acima de qualquer outra. Até a linda Belo Horizonte, rodeada pelas montanhas mágicas e coloridas, ao entardecer... E nunca presenciei algo idêntico ao que está acontecendo agora na muito minha Ribeirão.
A Cidade tem quatro Academias de Letras, A Casa do Poeta e do Escritor, a UEI (União dos Escritores Independentes), o Grupo dos Médicos Escritores e em 2014 haverá a Décima Quarta Edição da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, já famosa em todo o País e até no Exterior. Sabe-se que Ribeirão tem o maior número de Faculdades per capita. Enfim, a Cidade tem tudo para ser digna de um antigo epíteto, A Capital da Cultura. Para estímulo maior, amantes da literatura, grandes ativistas literários, apresentam Programas líteros - musicais, organizam Saraus que vão ficando famosos, como os de Irene Coimbra, no Hotel Nacional. Mensalmente, um público de mais ou menos cem pessoas comparece a esses encontros para ouvir falar de literatura, escutar boa música  e declamações.
Contudo, nada é perfeito.  Os   Sodalícios enfrentam problemas diversos, a Feira Nacional do Livro faz sucesso graças ao trabalho insano e notável de pessoas idealistas, como Isabel de Farias, Heliana Silva Palocci (que se afastou do cargo da vice-presidência, cedendo-o a outra mulher brilhante, Adriana Silva), o nosso quixotesco Edgard de Castro, contando agora  com a ajuda da competente Viviane Mendonça e mais um verdadeiro exército de voluntários, que tem conseguido dar brilhantismo ao mais importante evento cultural da Cidade.
Na contramão, críticos de plantão, pessimistas e amargos (gente até muito inteligente, escritores e articulistas) alertam sobre os erros, não mencionando os acertos. A crítica ácida nada ajuda. Por que não estimulam os movimentos, participando, dando sugestões?
Pode parecer otimismo infundado ou até ingênuo, mas conhecendo de perto a Feira Nacional do Livro  de Ribeirão Preto, a incrível evolução do teor literário dos Concursos, que têm descoberto ótimos escritores, a grande quantidade de gente escrevendo, interessando-se pela literatura, os Saraus,  Editoras lançando gente nova, obras variadas, tudo alimenta a esperança de uma messe farta, que, se não resolver os problemas sociopolíticos cruciantes, é um bálsamo, uma certa luz.
Não deixemos nos cobrir com a cinza do pessimismo, evitemos a cegueira daqueles que nunca aprenderam ou se esqueceram da grandeza humana. Esperança e otimismo não fazem mal a ninguém. Muito pelo contrario.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

TORTURA MODERNA

TORTURA MODERNA
          
     O exame chama-se Ressonância Magnética. É uma experiência trágica, da qual jamais se esquece. Um pesadelo.  O paciente, após preencher um formulário com dezenas de perguntas minuciosas, assina como responsável, caso algo lhe aconteça. Dirige-se para uma sala branca e fria, não pode usar nada de metal (anéis, relógio, até grampo de cabelo).
     Deita-se em uma cama. Na parte posterior, uma espécie de túnel. O infeliz é imobilizado (cabeça, braços, mãos; máscara branca sobre os olhos), tampões nos ouvidos). Avisa-se que haverá muito barulho (os tampões são inúteis...). Começa a sessão de tortura.
     Pouco mais de uma hora, com barulhos, ruídos absurdamente fortes, violentando todos os decibéis possíveis. Eles são variados: batidas de madeira, de ferro, sirene, apitos de navio, claque, roldanas estrídulas, choques, estrondos. Repetições de vinte vezes, cada espécie horrífica. De vez em quando, a cama cede uns centímetros, para frente. Imagina-se que o horror acabou. Ledo engano! Outra série se inicia, com variações...
     De olhos cerrados, todo o tempo, houve momentos que pensei em desistir: levantar-me, libertar-me, fugir! Continha-me. Eu teria que voltar e recomeçar tudo... Comecei a ludibriar a situação. Sem abrir os olhos, primeiro rezei. Não ajudou muito. Tentei analisar as várias espécies de estalos, ruídos, uns mais surdos, outros cortantes, metálicos. Após, piorou. A Máquina trepidou como se eu estivesse dentro de um liquidificador vazio.
         Tive uma ideia, para driblar a tortura: fazer elucubrações do porquê o meu neurologista me pedira dois exames monstruosos. E do crânio. Ele espera encontrar o que no meu cérebro? Personagens literárias, monstros rastejantes, alienígenas? E, se, de repente, um inesperado tumor surgisse?
         Fiquei sádica e metafísica. Conversei com Deus e LHE disse que aceitava a sentença, a morte. Imaginei o féretro, a partida, o adeus a pessoas queridas... E os sonhos não realizados? E as pendências? De repente, não mais que de repente, como disse o Poeta, fiquei otimista. Nem precisei de tomar a injeção de contraste. Isto é bom ou ruim?
     Sou leiga em Medicina, nada sei de exames e um pouco trágica (para não dizer covarde...), para enfrentar problemas de saúde. Continuei, em plena guerra dos barulhos, a inventar meios de sofrer menos. Brinquei, em pensamento, de escanear meu cérebro... Mas tudo logo me cansava e o inferno não acabava!
     Finalmente fez-se silêncio. Paz de morte, de salvação. Ninguém nada falou. Nem eu. Boca não disse palavra... Fiz ficção: o médico e a enfermeira, todos se foram e me abandonaram aqui... À minha sorte! Até quando?! Dali alguns minutos, ouvi a vozinha agradável da jovem: “O médico está examinando as últimas imagens... Logo a senhora poderá sair”. Mais uns dez minutos de pesadelo.
     Finalmente libertaram-me, tudo acabara! Sentei-me na  cama, mais pálida que o lençol. Dor de cabeça, olhos pesados, zonza. Fui pegar minhas coisas e me dirigi para a Sala de Espera. A tortura terminara. Na minha ignorância, tentava entender o acontecido. Com a tecnologia tão adiantada, por que uma Máquina monstruosa?! Sem nada entender, questionei com meus botões se aquilo, o fragor horrendo, tudo   não seria necessário, justamente para instigar, estimular meu cérebro, para ver sua reação? Curiosidade enorme para ler o Laudo, que só sairia dali alguns dias.  Na data marcada, voei até o local, abri o grande envelope branco. Lá estava o resultado, o relato, em arrevesada linguagem científica, com nomes bizarros.
         Fui ao médico, para que ele “traduzisse” aquele linguajar estranho. Ele leu e afirmou: nada de significativo. Tudo normal para sua idade... Tive vontade de matar o meu neurologista.


domingo, 11 de agosto de 2013

UMA CERTA CARTA ROSA

                UMA CERTA CARTA ROSA

Meu destino sempre foi ligado ao gênero epistolar, às cartas. Por isso, até hoje ainda não me acostumei ao laconismo breve dos e-mails. Parecem algo falho, um recado. Quando era muito jovem, terminei um romance de adolescência (nem me lembro o nome do Romeu, que morava em uma cidade meio distante); ele confessou: Não me importo de terminarmos tudo, mas suas cartas não devolverei. São um tesouro para eu mostrar a meus filhos e netos, daqui muitos anos... Quando estava na Faculdade, na lírica Belo Horizonte, conheci, no Curso de Letras, as epistolas da famosíssima Maria de Rabutin-Chantal, Marquesa de Sévigné, do século XVII.  Ela residia em Paris e quando sua filha foi viver em uma cidade da Provença, a mãe saudosa lhe escrevia longas cartas, todos os dias. Eram textos originais e belos. Pelas 722 cartas à filha, Me. Sévigné entrou para a Literatura Francesa.
Nos quatro anos em Beagá, eu escrevia às amigas, imitando o estilo de Me. Sévigné. Anos depois, em um Banco, em Ribeirão, o Gerente me confidenciou: Eu lia todas suas cartas que escrevia à minha filha. Você não pode reclamar, pois ela as “publicava” no corredor da Faculdade, em São Paulo,  porque todo mundo queria lê-las. Será por essa influência que publiquei, em 2003, o livro Cartas a Cassandra, o primeiro romance epistolar brasileiro? Quando fui a primeira vez à Europa, optei por um navio inglês. Quinze dias diante daquele marzão lindo! Fui escrevendo uma carta à minha mãe, todos os dias. Em Lisboa, postei a missiva de vinte e oito páginas.
Estou assim, melancólica e emocionada, porque há poucos dias recebi pela Internet uma carta linda, rosa, muito pessoal, um dos textos mais sensíveis e líricos que já li. Não pedirei licença à autora, para lhe falar sobre ela, caro Leitor. Já confessei de público que o escritor tem o direito de transformar em sua personagem qualquer pessoa que o encante. A história de minha remetente é linda! Ela era professora e fazia Laboratório de Redação comigo. Casada, com duas filhas adolescentes, desavisada, vivendo seu casamento pretensamente feliz. Não conhecia ainda os alçapões da vida. O marido chegou e disse: Descobri que não nasci para ser casado. E saiu de casa.
Minha heroína chegou arrasada ao Laboratório. Chorara muito, queimara seu vestido de noiva, tinha esperança que o marido voltasse. Chamei sua atenção, enfatizei que o crápula não a  merecia. Ela era linda, jovem ainda! Que ela tomasse um banho de loja, saísse, procurasse se divertir, renascesse! E quando nosso anti-herói quisesse voltar, fosse irônica e lhe agradecesse por sua liberdade.
Mistério da natureza humana! Meses depois, minha heroína era outra mulher! Desabrochou como flor fora da estufa. Até seus textos mudaram de estilo. Ela começou a escrevê-los de forma forte e atraente. Ora, foi esta minha personagem fascinante que me mandou a bela carta rosa. Confessou-me que anda apaixonada pela Literatura e está escrevendo muito. Entra em cena a outra faceta rica dessa jovem senhora notável: a escritora. Sei que vou amar também esse lado atraente da mulher lírical. Eu a conheço bem: ela é inteligente, culta e de rara sensibilidade. Não há receita mais perfeita para dar certo.
Ave, nova Escritora! Bem-vinda ao mundo das Letras!


domingo, 4 de agosto de 2013

VIVENDO E APRENDENDO

VIVENDO E APRENDENDO           
     Sempre fui encantada com as palavras. Cada vez que eu conhecia um termo novo, eu quase entrava em transe. Ficava abismada, vislumbrando mistérios semânticos. Acho que nada mudou. Um dia desses, em um jornal televisivo, ouvi dos repórteres dois vocábulos desconhecidos e muito bizarros: DESAPOSENTADORIA e DESAPOSENTAÇÃO.  Seriam neologismos já aceitáveis no Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), lei maior da Academia Brasileira de Letras, ou no Houaiss? Fui pesquisar no Doutor Google. Quem vive sem ele hoje? É uma sina, um vício moderno...
     Meu interesse não é jurídico. Pertenço ao grupo, cuja  aposentadoria durou só uma semana. Fui atacada por uma melancolia que quase descambou para a depressão. Antes que o bicho me pegasse, recebi um recado do COC, pedindo que eu criasse um Laboratório de Redação. Aceitei e lá fiquei dez anos. Quando “aposentei de novo”, descobri que era uma workaholic e não sabia viver sem o trabalho. Fundei o meu próprio Laboratório. Foi assim que lecionei cinquenta e dois anos...
     Agora sosseguei. Só escrevo para quatro jornais (dois de Ribeirão, um de Minas e, eventualmente, em um tabloide literário de São Paulo).      Reviso meus treze livros, escrevo Prólogos, leio originais de escritores, cuido de minhas duas Labradoras e até faço café de manhã, porque tenho o hábito de madrugar. Ah, e agradeço ao amigo Computador, que me traz, fresquinhas, as primeiras notícias do dia, recados  nos e-mails, no Facebook.
      Mas voltemos aos meus dois vocábulos descobertos.         Os termos surgiram para designar a possibilidade de uma nova aposentadoria, para os já aposentados pelo INSS, que permaneceram no mercado de trabalho a fim de melhorar a renda familiar. A matéria provoca ainda celeumas, porque há pontos obscuros. Ela está para ser decidida no Supremo Tribunal Federal, em Brasília. A votação encontra-se, atualmente, suspensa. Na realidade, é mais um Projeto, mas já existe até Lei: é a 9.876/99. É apenas uma esperança de possibilidade futura.
      Fiquei pensando por que encontrei tanto prazer na pesquisa. Deve ter sido um velho sonho que ressurgiu: fazer Direito. Há muitos anos, cheguei ir a uma Faculdade para fazer matrícula. Mas ficou só na intenção, no Depósito dos Sonhos Falidos... Logo após, minha curiosidade voltou para outros dois termos que também “descobri” esses dias: Ressurgência ou Afloramento. São dois vocábulos usados em Oceanografia, para designar um fenômeno que acontece em alguns locais dos Oceanos: é a subida de águas profundas, muitas vezes ricas em nutrientes, para regiões menos profundas do oceano, como acontece, no Brasil, em Arraial do Cabo. Encantei-me! E no reino riquíssimo da Semântica, lembrei-me dos parônimos imergir e emergir. Daí à Psicologia, foi um pulo: A ressurgência ou afloramento na psique humana não seria a imersão do consciente no inconsciente e de lá trazer realidades desconhecidas e submersas da alma humana?  Fascinante!
     Uma coisa leva à outra. Da Psicologia, visitei a Mitologia Grega, lembrando um dos mitos mais belos, a lenda de Eros e Psique. Mas não se assuste, Leitor. Paro por aqui. Ninguém é obrigado a embarcar nas elucubrações, ou nas idiossincrasias da articulista. Sinônimo dessa palavra esquisita?  São manias, meu caro. Hoje, definitivamente, eu não deveria escrever. Perdi as rédeas no Reino das Palavras.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora. O artigo de hoje é dedicado ao Vicente Golfeto, ex-aluno querido, escritor, colunista e amante da Etimologia.
                                           


                                            

domingo, 28 de julho de 2013

UM CASO DE AMOR


UM CASO DE AMOR

         Não se deve jurar que nunca se fará algo, nem que a vaca tussa, como se diz na deliciosa linguagem popular. E eu, genética e espanholamente convicta de minhas decisões, olhava de viés para o monstro tecnológico, adorado por muitos como o novo bezerro de ouro da Informática.
         Quando começou a sedução? Ouvia falar dos milagres, da rapidez, do modo prático da comunicação, das pesquisas. Para quê? Há os livros, eu dizia renitente. Um dia, um amigo preparou, no computador, o material do meu Laboratório de Redação. Achei uma graça: bonito, bem diagramado, com ilustrações! Eu caíra nos braços do sedutor dos internautas.
         Como em todo caso de amor, o início foi cruel! Desentendimentos, brigas, dificuldades muitas. Como entendê-lo?Ele era diferente de tudo que eu vira antes! Um dia, fiquei furiosa, bati o pé, tentei cem vezes fazer algo que não dava certo, até que uma figurinha esdrúxula, de Einstein, barrigudinho, apareceu na telinha e fez um gesto, abrindo os braços, a perquirir: Afinal, o que você quer? Senti-me como aluna repreendida por incapacidade, burrice, inaptidão.
         Em alguns dias, nós nos entendíamos, ele me obedecia dócil, eu finalizava as tarefas. Em outros, era uma odisseia. Eu me irritava, teimava tanto, que  meu querido companheiro de infortúnio rebelava-se. Travava, não respondia a nenhum comando, nada o obrigava a realizar minhas súplicas. Brigávamos. Ah, é? Eu o desligava diretamente, “no tranco”, tirando a tomada, cortando a energia.
         Ficava dias amuada, infeliz, como em toda briga de namorados. O bom senso vencia. O erro deveria ter sido meu e   não dele. Afinal, ele me dera surpresas bizarras e grandes alegrias. Como no dia em que o professor quis que eu entrasse em um “chat”, para conversar com as pessoas. Procurei uma sala de adultos, mais de 50 anos, entrei e escandalizei-me com os “nick-names” usados, audaciosos, pornográficos: “Cadela no cio”, “Garanhão”, “Bom de cama”, e similares. Desencantei-me, fiz mais uma tentativa, dialoguei com uma jovem que me pareceu lúcida e coerente. Era arquiteta. Perguntou-me, a certa altura: “E você, o que faz?”. “Sou professora de português e de Literatura”. Desastre. Ela escafedeu-se, dizendo: “Cruzes! Eu sou analfabeta!”. Em compensação, comecei a receber tesouros raros, valiosos: textos sérios, fotos belíssimas do mundo todo. Discute-se muito o paradoxal papel do computador, que une e afasta as pessoas, tornando-as comodistas e meio alienadas à realidade. Como sempre, os seres humanos devem encontrar o equilíbrio de tudo que a vida lhes oferece. Assim também o progresso tecnológico pode trazer benesses ou mazelas.
         Tudo ia muito bem entre mim e Bob, meu computador. Eu quase perdera o medo das máquinas. Aí aconteceu o inusitado. Uma noite, fui ao micro, conectei-me à Internet, abri minha Caixa de Entrada dos e-mails. Por Deus! A confusão parecia uma casa assaltada, quando bandidos destroem tudo! Misturaram-se os nomes, datas, meses, anos! Como organizar aquilo? O que aquele monstro fizera? Afastei-me, disse-lhe umas boas, jurei não me aproximar mais.
         Dois dias depois, o milagre. Computador tem Inteligência Artificial? Ele age por conta própria, sem comando? Bob pareceu sorrir, convidando-me para o armistício. Abri-o. Inacreditável! Ele reorganizara toda a centena de e-mails, por nomes, em ordem alfabética, assuntos e datas!
         Estamos em lua-de-mel. Mas estou sempre na defensiva. Ele é um bruxo? Yo no creo en los fantasmas, pero...


domingo, 21 de julho de 2013

UM DOS MALES DO NOSSO SÉCULO

UM DOS MALES DO NOSSO SÉCULO
     
Há temas importantes que, por sua complexidade, devem ser evitados. É         o caso da falência do Ensino, síndrome de sintomas evidentes, facilmente comprovados, de diagnóstico simples e terapêuticas quase impossíveis, praticamente utópicas. Evito falar no assunto, embora me preocupe muito e, quando o faço, sinto-me um João Batista pregando no deserto. Então, por que abordá-lo? É a angústia diante de notícias, jornais televisivos, a realidade dura e cruel, como um tapa.
      Sabe-se que até a Década de Setenta havia poucas Escolas, principalmente as Públicas, um número diminuto de Faculdades; foi quando se deu a chamada Democratização do Ensino. Floresceram escolas dos Cursos Fundamental, Médio e Superior; elas se alastraram pelo País, mas descuidou-se da qualidade, como um grande prédio, de alicerce fraco. E a realidade está aí para comprovar: Ensino falho, alunos que no hoje Fundamental, às vezes não conseguem fazer as quatro operações e não sabem ler, nem escrever. Universitários mal formados, professores despreparados.
         Congressos, especialistas apresentam os diagnósticos cuidadosamente elaborados. As causas são apontadas: desagregação familiar, inversão de valores, falta de apoio político, problemas socioeconômicos gritantes. E a chaga terrível se alastra, com o adubo, o insumo maldito das drogas. É bem verdade que o problema é globalizado, com algumas diferenças. Discute-se exaustivamente a problemática em Congressos, no entanto não surgem soluções concretas.
       Detecta-se, no Brasil, que se lê muito pouco e o resultado é evidente: quem não lê, não escreve.  É bizarro conhecer bem a doença e o antídoto, todavia a cura continua difícil, principalmente por uma afirmativa frívola entre os jovens,  dizendo que  não gostam de ler. É preciso alertá-los, hoje mais do que nunca, que ler não é entretenimento, é necessidade ingente, é remédio contra a ignorância, é cura para quem fala mal, tem pobreza de vocabulário e não sabe redigir. E mais: ler, escrever e falar bem são instrumentos preciosos para o sucesso profissional.
    Por que falar nesse tema tão desgastado? É que tem surgido alguma esperança: as Feiras do Livro, muitas já famosas, Projetos estimulando a leitura, em Alagoas, em Roraima, no Pará e Rio Grande do Sul, onde se disponibiliza opção de leitura a bordo dos ônibus intermunicipais, a implantação de  Bibliotecas em várias cidades do País. Nas Escolas Estaduais e Municipais de Ribeirão Preto há alguns projetos de estímulo à leitura.   É necessário começar pela base, tentando formar pequenos leitores e assegurar que eles não percam o hábito até o final do Ensino Fundamental e do Médio.  Os pais e a Escola precisam ficar atentos a mais este problema.
     Ora, dia 8/7, no jornal A Cidade, saiu uma matéria preocupante: Por dia, 6 alunos largam a Escola, em Ribeirão Preto. Em 2012, dois mil e oitocentos alunos registrados, abandonaram os estudos.  São várias as causas, principalmente pela péssima qualidade do ensino. O problema é tão grave, que merece outro texto, um comentário mais minucioso.              
      Vejo na face do leitor um sinal de reprovação e muitas perguntas. Dirá: com tantos problemas e dificuldades que o povo enfrenta, em casa, na cidade, no País, como cuidar de mais esta tarefa árdua? Como estabelecer prioridades? Realmente, a vida é luta renhida, briga de foice na pinguela, tiroteio no escuro, batalhas contínuas, guerra. Mas quem disse que a vida é fácil? Não é. Hoje e sempre.



domingo, 14 de julho de 2013

DESMITIFICAÇÃO E / OU A INOCÊNCIA PERDIDA

DESMITIFICAÇÃO E / OU A INOCÊNCIA PERDIDA

Sempre me foi doloroso quando algum iconoclasta destruiu um mito que me encantou na infância ou na adolescência.
Mineira, eu amava a figura de Tiradentes, com as barbas e os cabelos longos, a corda grossa no pescoço, o ar de homem bom, que lembrava muito o Cristo. Ele era meu herói, o líder da Inconfidência Mineira, o homem que lutou pela liberdade do Brasil, contra o jugo português. Vibrava com sua valentia, quase a ponto de sair de peito aberto a gritar com entusiasmo: “Libertas quae sera tamen”!  Em uma aula trágica de História, no Colegial, o professor destruiu meu herói. Morreu sim, foi esquartejado, salgaram sua casa para que nada mais ali vingasse, mas ele era o mais pobre, o menos importante do movimento dos Inconfidentes. Como matar um Cláudio Manuel da Costa, ou o fidalgo imponente Tomás Antônio Gonzaga? Na Faculdade foi pior. Teses de pós-graduação punham em dúvida, mesmo sua morte trágica. Ele teria fugido para a África e escapado do castigo execrável.
Decepcionada, infeliz, detestei a nova realidade. Depois foi durante uma visita às Cidades Históricas de Minas. A certa altura, o professor de Literatura Brasileira, que fazia o tour conosco, disse: “Daquela janela, Marília namorava o seu Dirceu, que residia logo acima...”. Todos os versos, as liras do livro “Marília de Dirceu” vieram-me à cabeça, a doçura, a pureza do grande amor  dos dois  personagens  famosos. E o professor completou: “Marília, cujo nome, na verdade, era Maria Dorotéia, não amava Dirceu. Hoje ela seria chamada de “carreirista”, uma jovem quase adolescente, muito ambiciosa, atraída pela fortuna, fidalguia e pelo status de Gonzaga, o elegante português quarentão”. O professor tripudiou sobre minha tristeza. O nosso Dirceu também não a amava tanto assim. Logo que o movimento libertário foi descoberto pelos portugueses, o poeta escafedeu-se para a África, casou-se com mulher rica e analfabeta...
A vida desbotou-se, ficou mais feia, Víboras da dúvida picaram-me o coração, envenenando-o. Com certeza, Romeu e Julieta não morreram jovens, pelo seu amor impossível, Abelardo não foi castrado, Heloísa nunca entrou para o convento. D. Pedro arrancou mesmo leoninamente os corações dos assassinos  de sua adorada Inês de Castro, a que depois de morta foi rainha? Dante amou a vida toda sua Beatriz, vista de relance em uma janela? Não morreu Fedra de amor, pelo seu Hipólito? Orfeu desceu aos infernos e resgatou Eurídice da morte?
Um mar de dúvidas. Tudo ficção. Lições falsas de beleza para que se engula a realidade insulsa, insípida, tediosa. Uma lástima. Um pesadelo.
De repente, a incerteza virou a maldita Hidra de Lerna, com suas cabeças hiantes. E o Cristo? Quantas versões surgirão ainda sobre a figura amada, tão carismática? Alicerçando-se nessa hipótese, escritores modernos têm publicado best-sellers com versões esdrúxulas sobre o chamado Messias.

Infeliz, com a alma cabisbaixa, argumentei com meus botões: Não seremos nós mitos, heróis da ficção de Deus? E quando o Diabo nos desmascarar, com sua sarcástica lucidez? O que sobrará da magnífica Criação?