domingo, 16 de outubro de 2011

MEU MESTRE INESQUECÍVEL

MEU MESTRE INESQUECÍVEL 

            Todo adulto tem, no seu íntimo, a lembrança de um mestre inesquecível. Variam as razões por que eles se tornam eternos. A grande figura que marcou a minha adolescência foi a professora de português Eugênia Vilhena de Morais, hoje nome de escola. Eu viera de Minas para o Santa Úrsula, um dos colégios mais famosos de Ribeirão, na época. Sua clientela era composta de meninas ricas, da alta sociedade ribeirão-pretana, todas paulistas.
Mal reparam na minha insignificância, menina tímida da então 5ª série Ginasial. Foi Eugênia, com sua doçura, o sorriso de jasmim (tinha uma auréola sobre a cabeça?) que atraiu a atenção da classe, quando me perguntou: _ Onde aprendeu a escrever tão bem? Gosta de ler? Ruborizada, engrolei uma resposta, mas logo soube que ganhara uma amiga. Alimentou, durante quatro anos meu amor pela Literatura, emprestava-me dezenas de livros de sua própria biblioteca, ela os discutia comigo após a leitura. Na oitava série, eu escrevia melhor ainda, conhecia grande parte da literatura brasileira e portuguesa e jamais perdera o primeiro lugar na classificação mensal da avaliação do Colégio. Subia a escada, após a chamada e recebia medalhas, descendo orgulhosa como um general.
            Mesmo depois de deixar o Colégio, indo para o notável “Otoniel Motta”, onde fiz o Clássico, Eugênia era minha grande mestra. Professora “avant  la lettre”, precursora que me abriu veredas e solidificou, para sempre, minha vocação para o magistério e para a Literatura. Eu estudava na Europa, quando ela faleceu. Mais tarde, ao publicar meu décimo primeiro livro, um romance epistolar, primeiro no gênero na Literatura Brasileira, perguntei-me: Eugênia gostará dele?
            A vida é realmente bizarra. Lembro-me da primeira vez que vi o prédio  muito branco, como um cisne pousado no gramado. Que construção é esta, perguntei a alguém. É a Escola Estadual “Eugênia Vilhena de Morais”. Fiquei fascinada! E como se rezasse, disse, cheia de emoção: Juro que um dia irei dar aula ali!
            O tempo passou, lecionei no Colégio Santos Dumont e no Colégio Estadual de Jardinópolis. Um dia, quando as remoções ainda eram feitas em São Paulo, pessoalmente, em um episódio meio surrealista, quase inacreditável, consegui remover-me para o Eugênia Vilhena de Morais. Tenho certeza de que Eugênia intercedeu por mim, naquele momento, quando lhe pedi fervorosamente. No dia seguinte fui depositar flores sobre seu túmulo.
            No Vilhena lecionei vinte anos, até aposentar-me. Aposentada,  voltei ao Colégio, para visitar a Biblioteca, que recebera meu nome. Foi  muito pitoresco. Quando entrei na “minha Biblioteca”, uma servente limpava o chão. Olhei para meu retrato grande na parede. Definitivamente, eu não gostava daquela foto... A servente disse-me então: A senhora sabe, esta mulher aí da foto foi professora aqui. Ela não morreu ainda não... Não gosto é do nome dela, muito difícil. Dizem que ela era meio louca. Seus carros eram sempre brancos e tinha lugar marcado no estacionamento: logo à entrada. Chegava bem antes de começar a aula e ia lá para a Sala dos Professores conversar com o retrato da Dona Eugênia. Não é uma loucura?
            Muito atenta, ouvi o relato da servente, que era verdadeiro... Eu gostava mesmo de confidenciar meus problemas à Eugênia. Ela era de total confiança e muito compreensiva. Saí, disse adeus à servente, sem me identificar. Quando fui me afastando de carro, olhei para trás e vi, com saudade e melancolia, o flamboyant na porta da minha eterna Escola. E pareceu-me que, entre os galhos verdes e alegres, balouçando na brisa, Eugênia sorria acenando, com seu eterno sorriso de jasmim.

9 comentários:

  1. Um dia, num determinado mês, no ano de 1958, perguntei a minha mãe se podia fazer o ginásio. Disse-me: filha, preciso muito de você aqui em casa. Não a questionei. Naquela época acatava-se todas as decisões de mãe. Não havia meios para um acordo.
    Em 1969 minha mãe faleceu. Perguntei-me: por que não voltar a estudar? O tempo era propício para tal. Em 1969 comecei a fazer a primeira série do ginásio, esta era a nomenclatura da época.
    Por esforço pessoal e por caminhos traçados com sabor de retribuição de mãe, concluí o ginásio e o colegial.
    Em 1975, eis que adentrei à Faculdade Moura Lacerda. Escolhi o Curso de Letras.
    Para a minha felicidade e oportunidade de fazer um ótimo curso, conheci uma Deusa Loira. Uma presença marcante, com uma dicção tão perfeita e tão bem colocada, que apetecia até aos olhos, pois estes também sabiam devorar.
    Ely Vieitez! Sim, a marcante e inesquecível Professora!
    Quanta sabedoria! Assistir suas aulas era como estar num teatro assistindo um monólogo cultural. Bastava apenas a protagonista. Sua apresentação dispensava coadjuvantes.
    Que sorte a minha!!!
    Se na época minha mãe permitisse que eu estudasse, não teria tido o privilégio de conhecer meu mestre inesquecível!!!!

    Aparecida

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  2. Minha querida,
    Pessoas de sensibilidade rara como você têm olhos mágicos. Muitas vezes enriquecem o passado com sutilezas poéticas até em exagero. Todavia, confesso que fiquei emocionada.
    Beijos.
    Ely

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  3. Ely,
    Seu texto é sublime e cheio de amor. Estou embevecido.
    Tive a alegria de iniciar minha carreira no magistério, na Escola Estadual Profª Eugênia Vilhena de Morais, em agosto de 1996. Foi algo mágico! Quando fui conhecer a biblioteca, tive a surpresa, o nome e foto de minha querida prima (hoje, também tia) e sempre amiga Ely. Aproveitei e trabalhei com os alunos vários poemas seus. Lecionei apenas um semestre lá, mas guardo ótimas lembranças, com carinho.
    Ely, você é uma das minhas mestras inesquecíveis. Muito especial, pois incentivou-me a fazer a faculdade de Letras, acolheu-me no seu Laboratório de Redação por dois anos, onde muito aprendi. Hoje, tento reproduzir o que aprendi com você, seus ensinamentos ricos de cultura, profundos, transcendentes, transmitidos com muita vibração, sensibilidade, generosidade e amor.
    Que satisfação podermos fazer o que acreditamos e amamos. Você é assim, ama tanto o que gosta, que contagia a todos.
    Obrigado, Ely, por tudo, e por continuar a nos iluminar.
    Márcio

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  4. Querido Márcio,
    O grande Mago de Cordisburgo disse que Mestre não é o que ensina, mas o que, de repente aprende. Guimarães Rosa tem razão. Aprendemos muito com os alunos, principalmente lições de sensibilidade e de vida. Não fazemos muito. Só mostramos caminhos. O aluno, celeiro de talento, é quem concretiza a realização.
    Penso que o Vilhena é um Coégio abençoado, ungido pelo nome de Eugênia.
    Amei seu comentário.
    Beijos.
    Ely

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  5. Ely,

    Uma das suas ex-alunas publicou este texto na pagina do facebook amigos do Vilhena. Esta pagina reune algumas pessoas que estudaram no colegio nos anos 60 e 70.Fui sua aluna no colegio há 40 anos,e para mim e toda uma geração,voce foi nossa mestra inesquecivel. Jacy

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    1. Querida Jacy,
      Comoveu-me seu comentário sobre o Eugênia Vilhena de Morais. Realmente eram bons tempos quando a Escola parecia um segundo lar, havia respeito e alegria dos alunos e professores. Amigos brincam comigo que devo escrever o que quiser no meu espaço dominical do Caderno C, de A Cidade, menos falar sobre Educação.Dizem que minhas lembranças são sobre um tempo que não existe mais, diante dos problemas terríveis atuais, em quase todas as escolas.
      Foi bom comunicar com você.
      Beijos.
      Ely

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  6. Puxa como o tempo passa...Ler o texto me levou de volta 40 anos atrás...Década de 70...fez recordar quando desciamos do onibus vindo da Vila Tibério junto com os amigos Marcelo Hirono, Custódio Pecego (era assim mesmo com c..), Pedrinho Fascincani, Rosangela Martins, Fátima Câmara e outros de bairros distantes da Vila Virginia para estudarmos nesta maravilhosa escola...quando desciamos na porta do colégio lá estava ele... viamos o Flamboyant reinar no gramado do jardim junto às salas de aula. As brincadeiras sadias, as amizades sinceras...e o orgulho de estudarmos naquela fantástica escola.
    Mas, mais do que recordar sobre a escola é carregar dentro de nós os ensinamentos daqueles mestres...e é claro, o carinho especial da prof. Ely...aulas mágicas...viajavamos e sonhavamos nas aulas de literatura...nas aulas deliciosas de redação às sextas feira...quando ao final líamos as nossas criações para os amigos em classe...que delicia...que maravilhoso.

    Enfim, falar sobre o colégio...nada melhor e preciso do que o texto da prof. Ely...mas falar sobre a professora Ely somente encontro duas palavras...muito obrigado.


    Helcio Luiz Defino.

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    1. Voce pode encontrar seus colegas dos anos 70 na pagina do facebook amigos do vilhena. Jacy

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    2. Querido Hélcio,
      Suas palavras são lindas. Não sou saudosista, mas fico melancólica ao relembrar os vinte e um anos que lecionei no Eugênia. Realmente era uma época mágica. Um dia desses, no entanto, assisti a uma reportagem televisiva falando sobre a situação do Colégio: faltam seis ou sete professores, desde março, e os alunos ficam quase todo o tempo no pátio. E o repórter disse que esta é a situação de quase todos os colégios estaduais. Isto é muito triste. O que se poderá fazer para reverter esta situação? Conhecemos as causas, todavia as soluções parecem utópicas.
      Beijos.
      Ely

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