segunda-feira, 24 de outubro de 2011

TEMPOS POÉTICOS

TEMPOS POÉTICOS
                   O livro “Antes Mesmo do Sonho”, de Carlos Roberto Ferriani, surpreende. Talvez porque é hábito aliar à ideia de médico, mais como cientista. Mas o nosso poeta está muito bem acompanhado, junto a outros discípulos de Hipócrates: os mineiros Guimarães Rosa e Pedro Nava, o primeiro, um dos maiores nomes da Literatura, o segundo, grande memorialista.
                   Há pouco tempo perdemos Moacyr Scliar, o brilhante médico gaúcho, que deixou uma obra literária riquíssima; e não podemos esquecer do poeta maior Miguel Torga,  pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha. Assim, não é de se estranhar que o médico Dr. Carlos Roberto Ferriani goste de escrever poemas.
                   Seu premiado livro é sensível e inteligente. Dividido em seis partes, traz subtítulos de tempos verbais e, evidentemente, a escolha não é aleatória, tem uma conotação gramatical, mas, sobretudo, filosófica. O primeiro, Pretérito mais-que-perfeito, é um tempo que exprime a vida que podia ter sido e não foi, para citar Manuel Bandeira.  Por isso, Ferriani  usa linguagem simples, quase lúdica, traz reminiscências, um erotismo leve, fala da infância e até faz alusão ao poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, poeta da segunda Geração Romântica, no Brasil.
                   Aliás, em todo o livro há alguns temas populares, com uma linguagem pertinente, com gírias, corruptelas e coloquialismos. Há que citar as epígrafes excelentes, que antecedem cada “subdivisão gramatical”: “Solidão é o que inverte do que nada sabemos ser nossos vãos.” (pág. 36) ; ou “A profundidade das palavras não está no modo como são ditas, mas na alma que representam” (pág. 80).
                   Após poemas sobre perdas, “Livre Arbítrio” é mais maduro, uma nova tomada de posição (pág. 40). Às vezes o poeta deixa uma falsa impressão de descuido gramatical e/ou do vocabulário, todavia, de repente, brinda-nos com um verso notável, de criatividade linguística : “Fisgado pela saudade / Nesse instante poente” (pág. 45); é preciso enfatizar a adjetivação do substantivo, com a conotação de triste, envelhecido, acabado.
                   Às vezes, como a primeira estrofe do poema “Decisão” (pág. 48), ele nos brinda com uma poesia realista e belas metáforas: “Decidi que estamos embora / Eu de você e você de mim / Não adianta mais o coito a sós / Um ao preço do outro / sem semáforos”.
                   O livro surpreende, inclusive, pelo desequilíbrio. Na página 53, após um poema denso e sintético, profundo, surge outro repleto de coloquialismos e gírias. Outras vezes há um tom confessional, humano e sincero: “Tu            és meu vício por onde rondo / Minha paz na guerra dos dias meus” (pág. 60).
                   Apesar da pretensa falta de compromisso vocabular, CRF usa às vezes termos raros, como “acovilhar” (pág. 69), ligados à Botânica, “a Zoologia como “mentraste” (pág. 120) e “Falena”, ou termos de origem latina: “Mancípios” (escravos) e pede até emprestado ao grande Rubem Alves, o neologismo “escutatória”(pág. 155).
                   Enfim, aqui e ali, estrofes    muito belas. O livro “... Antes Mesmo do Sonho Tempos Poéticos” é rico e variadíssimo. Muito complexo, da mesma essência da alma do autor. O Criador e a Criatura. O mistério se repete sempre.
                   Depois de amanhã, dia 25, na Paraler, às 19 horas, nosso poeta estará lançando seu primeiro romance: “Fragmentos de uma Vida”. É importante ler, com atenção, o romance de Carlos Roberto Ferriani, para conhecer mais uma obra deste homem de inteligência rica e facetas artísticas múltíplas.


                       
                  

5 comentários:

  1. Por falar em poesia, quem está na moda é o Esteves sem metafísica, o personagem do poema A TABACARIA, de Alvaro de Campos/Fernando Pessoa. Resgatado no livro A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS, do excelente Walter Hugo Mãe, como um dos moradores do asilo, agora reaparece como um policial em AS ESGANADAS, novo livro do Jô Soares. Fernando é perene mesmo.

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  2. Quem disse que um médico não pode ser um escritor? Quem disse que suas mãos só prescrevem receitas, só atestam laudos, só manipulam instrumentos cirúrgicos? Ele também pode usar suas mãos para autografar suas obras e fazer parte do mundo literário.
    O homem quando dual tem como reforço seu outro lado aflorado.
    À qualquer momento, num ímpeto de encantamento e prazer, debruça no papel sua vocação literária.
    No caso do doutor Ferriani, são dois mundos adversos entre si, mas dois talentos proveitosos num homem só.

    Aparecida

    Cidissima61

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  3. Rossetti,
    Você é um leitor atento e atualíssimo. Ótimo seu comentário, homem erudito.
    Abs.
    Ely

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  4. Cidíssima,
    Na realidade, o TALENTO não escolhe profissões, mas o homem. Ele é inato, espécie de presente de Deus. Mistério maior.
    Abs.
    Ely

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  5. BOTA ÁGUA NO FEIJÃO, QUE CHEGOU MAIS UM, CHEGOU MAIS UM...

    ANTONIO CABRAL FILHO
    http://letrastaquarenses.blogspot.com

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